O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço completou em 1º de janeiro deste ano 52 anos de vigência. “Com muitos erros e muitas falhas”, avalia Mario Avelino, 63 anos, administrador de empresas e fundador da ONG Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, que desde 1986 estuda o assunto e já lançou oito livros relacionados ao tema.
Entretanto, em situação de crise econômica, ele avalia que “são positivas” as novas regraspara o saque do Fundo de Garantia, anunciadas pelo governo federal na quarta-feira (24), por meio de medida provisória (MP), que já está valendo para este ano e os vindouros, embora dependa de aval do Congresso Nacional para “não caducar”’, ou seja, perder a validade.
Apesar de concordar com a necessidade das novas regras, Avelino aconselha que o saque deve acontecer com parcimônia, significando casos extremos, de dívidas, por exemplo. Além disso, ele ressalva que a MP precisa de muita análise para “evitar possíveis pegadinhas”.
Qual a sua avaliação da medida provisória com as novas regras para saque do Fundo de Garantia?
Eu avalio como positiva até um determinado ponto. Digo isso para evitar pegadinhas. Alguns pontos ainda estão obscuros, no sentido de que devemos fazer uma análise mais profunda. A grande preocupação é a sustentabilidade do fundo para que ele continue sendo um investimento social, financiando a habitação popular, obras de saneamento básico e de infraestrutura. Além, é claro, de ser uma reserva para quando o trabalhador for demitido, adoecer e se aposentar. Por isso, temo que o Fundo de Garantia seja transformado em um fundo de investimento. Mas, a priori, diante da crise econômica, ela (MP) é positiva, porque dá uma injeção na economia, que vai gerar mais trabalho e renda. Então, não adianta ter um dinheiro guardado com o cara morrendo de fome.
”A única vantagem que recomendo o saque é quando ela está endividada no cartão de crédito, cheque especial, pagando juros de 500% ao ano”
Além dessa circunstância, em que condições se deve aderir às novas regras?
A única vantagem que recomendo o saque é quando ela está endividada no cartão de crédito, cheque especial, pagando juros de 500% ao ano. Um dado importante, muito noticiado nos últimos dias, é que 49% das dívidas dos brasileiros hoje é de até R$ 500.
Diante desse cenário, por que as pessoas devem esperar para sacar o Fundo de Garantia?
Por incrível que pareça, o Fundo de Garantia está ganhando da poupança. Falar para sacar o dinheiro e colocar na poupança, não! Neste momento, o fundo está rendendo mais que a poupança em função da distribuição do lucro. E pela MP do governo, no dia 10 de agosto agora, haverá distribuição do lucro, com base no ano de 2018, e não vai ser mais de 50%, passará para 100%. A estimativa, que o governo ainda não divulgou, é que o lucro líquido será de R$ 10 bilhões. Mas esse recurso, agora no dia 10 de agosto, dará ao Fundo de Garantia uma rentabilidade de quase 6% mais que a poupança, portanto, só perdendo para demais investimentos, que não são isentos de riscos e pagam IOF.
Em se tratando de geração de emprego e renda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que as novas regras devem gerar em 10 anos 3 milhões de empregos…
A realidade brasileira hoje é de economia estagnada. Só teve um mês neste ano que o saldo do emprego foi positivo, conforme dados oficiais. O prazo de dez anos anunciado pelo ministro é muito longo, mas temos que ter medidas que não são imediatistas, que vão dizer que daqui um ano vai resolver. Seria hipocrisia dizer isso. Mas existe um antagonismo na política do empreendedorismo, por que sem carteira assinada não vai ter o Fundo de Garantia. Por isso, a equação do fundo é um pouco complexa. Dados da Secretaria do Trabalho (ligada ao Ministério da Economia) revelam que, em 2015, havia 49 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Em 2017, esse número caiu para 46 milhões.
O anúncio da MP foi adiado em função dos representantes da construção civil. Você acha que o governo atendeu às demandas do setor?
O governo já garantiu à construção civil que ela não deve se preocupar. Até 2022 tem R$ 290 bilhões aprovados em investimento nesta área. A pergunta é: será que é o Fundo de Garantia que vai garantir isso ou é o Tesouro, que está falido? Tendo em vista que o Tesouro Nacional está contingenciando todo mundo (cortes de verbas em ministérios).
Diante desse raciocínio, qual a importância do Fundo de Garantia para girar a roda da economia?
Hoje, ele investe R$ 200 bilhões na economia. O fundo é um ciclo virtuoso em que sentido? Quanto mais pessoas estiverem trabalhando com carteira assinada, mais dinheiro entra no fundo. Mas essa é uma realidade que não estamos observando nos últimos anos, conforme já citei no número de pessoas que perderam emprego com carteira assinada, de 2015 a 2017, segundo últimos dados oficiais da Secretaria do Trabalho.
Como começou o seu interesse pelo estudo da legislação do Fundo de Garantia?
Em 1965, fui trabalhar em uma empresa. Fiquei sabendo anos depois que ela não depositava o meu Fundo de Garantia. Nessa época, eu estava alienado. Eu trabalhei nessa empresa pouco tempo, uns quatro meses. Em 1986, fui à Caixa, levantar minhas contas no fundo de garantia. Tinha trabalhado até então em 10 empresas, em três fui demitido, e nas outras eu tinha contas inativas. Quem me atendeu disse que a conta não existia (da empresa onde trabalhou em 1965) e a empresa tinha falido. Nesse caso, não tem jeito, perdi. Isso me estimulou a pesquisar.
O que aconteceu a partir de então?
Em 1990, a lei do Fundo de Garantia é mudada e cria-se novas regras para saque. Ali, comecei a descobrir que havia muitas falhas. Por exemplo, até então, as contas não eram centralizadas na Caixa, e o único prejudicado era o trabalhador, contas desapareciam. Quando houve a centralização na Caixa, isso é uma estimativa, 5 milhões de contas do Fundo de Garantia desapareceram ao fazer essa transferência. Era tudo em papel, não havia tanto controle. A lei de 1990 deu prazo de dois anos para a centralização, o que ocorreu em 1992, para todas as contas serem transferidas para a Caixa. Em resumo, o Fundo de Garantia tem 52 anos, com muitos erros, falhas, fraudes e confiscos do governo (com mudanças de índices para correção do fundo). Matematicamente, hoje, o trabalhador teria mais R$ 428 bilhões na conta, que foram confiscados.
Quais são as grandes lições que você aprendeu ao estudar o Fundo de Garantia?
Meu primeiro livro foi lançado em 1997, que tive a honra de ter o prefácio do Betinho (sociólogo Hebert de Souza), com o título de Pare de perder o seu dinheiro no fundo de garantia. E a grande lição é que o trabalhador é um “corno” no fundo de garantia…
Por quê?
Porque ele costuma ser traído, não acompanhando e não querendo saber tudo que envolve esse fundo.